Seguro de vida e saúde – Como coibir a atuação das Seguradoras contra o Estipulante do Seguro em época de COVID

Não é incomum se ouvir a expressão: “Quando mais se precisa esses seguros nos deixam na mão!”. Com efeito, a interjeição tanto falada quanto sentida é uma realidade no sistema contratual brasileiro, notadamente quando se reconhece no Seguro a natureza de estipulação em favor de terceiro.

A constatação desta natureza, oferece uma forte crença por parte das seguradoras que havendo na estipulação em favor de terceiros uma álea (NADER)¹, essa seria manipulável através da possibilidade de se estabelecer uma cláusula de resilição contratual, a significar que o contrato pode ser resilido pela seguradora ou, ainda, ao final de sua vigência, pode não ser renovado. A resilição contratual, traz em seu bojo uma forte carga de lesão de direitos em determinadas situações, a ponto do Código Civil em seu artigo 473 e parágrafo, modulá-las para evitar o locupletamento ilícito.

No caso das seguradoras, no que pese a álea², a ideia é que possam reduzir essa incerteza sempre tendo em mira reduzir prejuízos e obter um contrato mais a seu benefício do que do estipulante e do beneficiário. Não é à toa que seguro de motos e caminhonetas são mais caros, bem assim, quando há mais de um motorista , quando se tratam de caminhões e etc… De outra banda, as seguradoras prometem descontos ou redutores para os estipulantes que utilizam menos o seguro, demonstrando , então, que a ideia é evitar desembolsos, abrindo uma margem incrível de vantagem entre o que recebem x o que desembolsam em favor do segurado. Há pessoas que pagam seguro de carro por anos e dado o fato de nunca sofrerem qualquer sinistro só geram vantagens para a Seguradora.

Entre esses existem outros casos que poderiam servir de exemplos, mas a ideia é verificar como as seguradoras entendem o cenário atual de COVID- 19 para estipulação de seguro saúde e de vida.

Já era de se esperar, no cenário atual, que as seguradoras partissem para medidas capazes de evitar , reduzir e até mesmo eliminar a utilização do seguro de vida e de saúde. Não é difícil de entender o que se passa na cabeça do Segurador quando alguns milhares de cidadãos estão falecendo de COVID, sendo que o grande grupo é de pessoas com comorbidades e , também, pessoas idosas. E essa questão desagua em outra: Além da utilização do seguro saúde é possível que, ainda, acione o seguro de vida, uma vez que além de doentes são idosos, facilitando que reduza a álea a respeito de um possível sinistro de morte ou de acionamento do seguro saúde por meses. Então, dupla preocupação: idoso com COVID e , ainda, morto pela COVID e, acionando 02 seguros que contarão com a participação ativa da seguradora responsável pelos pagamentos. o Resultado disso é a redução da margem de vantagem da Seguradora.

Atenta a tais temas, neste momento de pandemia, a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) apresentou projeto que aguarda votação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei no 2.113/2020 que altera a Lei federal nº 13.979, de 06/02/2020, tornando obrigatória a inclusão de cobertura a qualquer doença ou lesão decorrente da pandemia do covid-19 nos seguros de vida ou de invalidez permanente e nos planos de saúde sem que a referida inclusão de cobertura resulte no aumento do prêmio atualmente pago pelo segurado, caso o tenha parcelado, ou em futura cobrança a mais em caso de quitação à vista (em parcela única). Além disso, tanto as operadoras de plano de saúde, como as de seguro de vida, ficarão proibidas de suspender ou cancelar os contratos por falta de pagamento durante a emergência de saúde pública, a qual tinha previsão de encerramento somente em 31 de dezembro do ano que corria, 2020, o que não aconteceu. O projeto é algo para o futuro e terá que suplantar muitos interesses de bancadas que representam o seguimento securitário.

No que pese tal fato, faz-se um parêntese para salientar que já há entendimento consolidado do STJ (Súmula 616) permitindo o cancelamento do seguro em caso de inadimplemento do segurado, desde que este tenha sido previamente interpelado e posto em mora pela seguradora.

Na prática, não é o que está acontecendo. As seguradoras de forma unilateral enviam notificação ao segurado de que não lhes interessa a renovação do seguro cuja apólice está para vencer e, algumas ( não todas uma vez que muitas sequer oferecem o endosso) oferecem a possibilidade de endossar a apólice, contudo, para novas bases, o que significa dizer que há um aditamento com alterações, nunca vantajosas para o estipulante/segurado, e sim para a seguradora.

Há relatos de muitos segurados que embora tenham aceito o endosso, tiveram tanto a apólice originária cancelada quanto a endossada sob argumentos (que não condizem com a realidade dos estipulantes) que, em suas narrativas, contam que foram notificados a respeito de inadimplência da nova apólice e, portanto teriam tido o seguro endossado cancelado, o que não seria verdade, visto que nunca receberam qualquer boleto para pagar e aguardavam o recebimento da confirmação do endosso com expedição da nova apólice.

Então, além de terem expresso vontade viciada em razão de que não lhes restava outra saída a não ser permitir o endosso da apólice, sequer isso foi obtido pelos segurados, na medida que sofreram o cancelamento.

Importante atentar-se para o fato de que a inclusão da cobertura de coronavírus nos seguros de vida, por mera liberalidade das seguradoras ou através de imposição de Lei, traz a discussão a respeito dos seguintes temas: vício do negócio jurídico, já que obtido o endosso mercê de lesão de diretos outra questão é se seria mais benéfico ao segurado o endosso da apólice já existente ou a contratação de um novo seguro.

Sabe-se que havendo a necessidade de alterações cadastrais a serem concretizadas nas apólices, tais como endereço, dados pessoais, inclusão ou exclusão de beneficiários, acréscimo, exclusão ou alterações de valores das coberturas etc, estas devem ser realizadas por meio de endosso (aditivo contratual), seja pelo contratante individual ou pelo estipulante nos contratos coletivos. A ideia é a de que todas as alterações pertinentes devem obrigatoriamente ser informadas à seguradora, posto que a omissão de mudanças que possam influenciar nos parâmetros iniciais do seguro pode impedir o recebimento da indenização no momento mais precioso, qual seja, quando o acontecimento do sinistro. Isto porque algumas destas alterações podem impactar diretamente no aumento ou na diminuição do prêmio. Em geral, como já se disse, a tendência é a de que o seguro fique mais caro e com menos acesso.

Cuidados que devem ser tomados:

  • se for convocado para endossar o seguro, se faz importante rever e atualizar as informações constantes da apólice, principalmente quanto aos beneficiários e no tocante ao capital segurado (valor da indenização a ser percebida em caso de sinistro);
  • o titular tem a opção de manter as coberturas pessoais somente para ele próprio, sem que seja necessário cancelar o seguro. Por outro lado, também poderá ter ocorrido o falecimento de algum dos beneficiários, impondo, assim, também o endosso da apólice para exclusão deles;
  • Exigir que a praça de pagamento seja a mesma;
  • No caso de cancelamento da apólice sem oferecimento de endosso ou de justificativa, deve ser proposta ação de execução de obrigação de fazer;


¹Definição: Acordo de vontades pelo qual um das partes se compromete a cumprir uma obrigação em favor de alguém que não participa do ato negocial. (A estipulação é considerada negócio peculiar, pois, em vez de resultarem dos contratos obrigações recíprocas entre os contraentes, apenas um deles assume o encargo de realizar a prestação em favor de terceiro ( Nader, Paulo 2015, p.94)

²Tem sua origem na célebre frase de Gaius Iulius Caesar (Júlio César), ao atravessar o rio Rubicon: “Alea jacta est”, ou “a sorte está lançada”. Assim, álea se define como um fato incerto quanto à sua verificação e/ou quanto ao momento de sua constatação (Castro Mendes, 1978:747).

Seu emprego é corrente em textos jurídicos, particularmente em textos que versem sobre contratos aleatórios, como os de apostas e jogos.

Também é um termo empregado dentro do direito do seguro, embora a doutrina mais recente não considere mais o contrato de seguro como um contrato aleatório, e sim contrato comutativo (Nelson Borges, 2004).

Em sentido Técnico considera-se que a álea exprime uma margem de flutuações nos eventos futuros, implicando uma possibilidade de vantagens, com a inerente probabilidade de uma perda O risco exprimiria a vertente negativa da álea: a do perigo de um mal maior BORGES, Nelson.

Os contratos de seguro e sua função social. A revisão securitária no novo Código Civil. RT-826/Agosto de 2004 – 93º Ano. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004; CASTRO MENDES, João de. Direito Processual Civil, Apontamentos das Lições. vol. II. A.A.F.D.U.L (Associação Académica da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa), 1978/79.HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. São Paulo: Objetiva, 2002. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2004)

Janeiro/2021

Regiane Coimbra Muniz de Góes Cavalcanti

OAB/SP 108.852